Mauro não deixava a favela por nada. Nasceu e cresceu no morro e foi ali que casou, teve seus filhos e estava vendo os netos cresceram. Acreditava que morar na favela era o seu destino e não contrair o destino era uma de suas convicções. Calmo, extremamente educado (“é de fazer inveja” diziam sobre seu correto comportamento) era bem quisto e elogiado por todos. Profissionalmente conquistava com simpatia, confiança e competência todos os fregueses para quem pendurava de fazia cortinas ou prestava pequenos serviços domésticos.
Levava uma vida sacrificada, mas feliz. Sempre que alguém sugeria que fosse morar em outro lugar. Mauro respondia quase cantando e sempre sorrindo: “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Não era teimosia. Mauro apenas não queria contrariar o destino, embora soubesse que mudar o destino é uma tentativa que todo homem deve fazer em busca de melhores condições de vida, de realização e principalmente de felicidade.
Mesmo assim Mauro estava feliz com o destino que lhe tinha sido reservado. Tinha algumas cismas. Por exemplo: não adiantava a insistência dos filhos, dos netos, de ninguém: não ia à praia de jeito nenhum, porque “não nasci para morrer afogado”. Viver no alto do morro não era só o seu destino. Era escolha consciente e dizia que no alto teria menos chances de morrer afogado quando a água invadisse a cidade e o mar viesse reconquistar, por força da natureza, o espaço que os homens lhe tinham roubado.
Quando alguém argumentava que esse pensamento era besteira Mauro apenas sorria, como fazia sempre e brincado respondia: “A água não me pega. Se depender de mim não morro afogado”. Ia levando a vida assim numa boa. Se pudesse teria subido o morro ainda mais, mas era impossível: todos os espaços estavam ocupados por trabalhadores que não fugiam da invasão das águas porque não tinham outro lugar para morar. Mauro já tinha se acostuma com as imposições do tráfico, as invasões policiais, os tiroteios, a barulheira dos bailes funk. Conformado argumentava que era melhor enfrentar tudo isso do que morar mais embaixo, perto da possibilidade de ver a água invadir a cidade e morrer afogado. Quando chovia muito ficava amedrontado, mas procurava se convencer que “aqui em cima é mais fácil: a água cai do céu e corre para o asfalto”. Era o que sempre acontecia reforçando o argumento de Mauro de que “quanto mais alto menor a chance de ser dominado pela água”. Morar na favela era seu destino porque o destino não queria que ele morresse afogado.
A manhã estava ensolarada quando Mauro saiu para pendurar mais uma. Antes d o meio dia um temporal desabou sobre a cidade derrubando encostas, alagando tudo, como sempre acontece e chegam promessas de arrumar a “casa” depois da porta arrombada. Mauro trabalhou até tarde e voltou para casa enfrentando ainda a chuva e seus estragos. Apesar de tudo estava tranqüilo porque, repetia para si mesmo, “morrer afogado não é o meu destino”.
Quando se preparava para subir o morro uma cachoeira de água da chuva e de lama desceu furiosamente. No dia seguinte foi encontrado no pé do morro ( só nesse dia a palavra morro ganhou ao mesmo tempo os dois sentido:o da mordia e o do destino). Morreu afogado indo párea o morro. Não conseguiu mudar o que o destino cruelmente lhe reservara.
* Ninguém consegue. Pelo menos não para sempre
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
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