domingo, 28 de fevereiro de 2010

Crônica - DOENTES ALÉM DA IMGINAÇÃO

Que a saúde no Brasil está doente, em estado de coma, não é novidade para ninguém. A televisão e os jornais nos mostram diariamente o caos nos hospitais, a total falta de recursos para que os médicos possam cumprir o juramento de “salvar vidas”. O ser humano (?) é tratado como subproduto, como nada, como se não fosse ninguém. Mas, podem acreditar: o que se vê, geralmente sentado em confortáveis poltronas, na televisão não dá nem de longe para imaginar o que realmente acontece. Tomemos como exemplo o Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que é o maior hospital da América do Sul e também um dos maiores “elefantes brancos” do mundo com seis de seus majestosos e exagerados andares inteiramente desativados por absoluta falta de recursos e pela brasileira mania de grandeza que o cercou durante a sua construção. O resto está ali caindo aos pedaços, tão moribundo quanto a saúde no Brasil. Mesmo assim centenas de pessoas o procuram diariamente na esperança de serem atendidas como deveriam. A partir das seis horas da manhã as filas começam a ficar quilométricas: são velhos e jovens misturados pela mesma dor e pela mesma esperança. No comecinho da manhã o que se respira por ali é esperança - uma esperança que nem a dor física consegue destruir. O tempo vai passando a esperança diminuindo (nenhuma esperança resiste ao tempo e ao caos) e o que se vê a partir daí, são rostos cansados, é gente massacrada pela vida. O que mais impressiona é que, até por falta de opção, ninguém desiste. Desistir como, se não há para onde ir? Os pobres e mal pagos funcionários encarregados de fazer a “triagem” como se todos fossem animais que vão para o abate, até que, justiça seja feita, tentam fazer o melhor, mas é quase impossível fazer o melhor por ali diante da total falta de recursos. A decepção aliada ao quase desespero, é outro sentimento presente naquelas imensas filas de subprodutos humanos. O que mais se ouve é “a senhora (ou o senhor) tem que procurar um hospital - como se eles funcionassem - perto de sua casa” ou “esse setor está desativado” ou ainda “não temos mais vagas”. Isso sem contar os cartazes colados nas imensas portas de vidros avisando principalmente que “não atendemos casos de Aids”
Quem consegue, enfim, passar pela triagem de qualidade, ou seja, a triagem da falta de qualidade de vida, não está livre da peregrinação: a burocracia se encarrega de traçar mais um espinhoso caminho. É fila para isso, é fila para aquilo. São, depois de várias horas de filas, mais algumas horas de pé diante da minúscula sala dos médicos (geralmente bem intencionados estudantes). O retrato que se vê nos corredores do hospital é o retrato do horror, da dor - um retrato que certamente cria uma situação constrangedora também no comportamento dos jovens formandos certamente desiludidos com os sonhos da profissão que escolheram e que costumam ser tão bonitas nas histórias que a televisão e o cinema nos contam. O que mais impressiona é que, apesar da dor e da inevitável irritação o doente brasileiro se mantém de pé ali e quando finalmente consegue ser atendido por um médico (para ele um Deus) o doente mais do que imaginário ainda consegue sorrir o sorriso de quem recuperou a dignidade humana. É um sorriso meio de alívio, meio de vitória, a vitória de ter sido tratado, finalmente, com a atenção e o respeito que todo ser humano precisa e merece. Mas a peregrinação não chegou ao fim: novas filas, novas exigências burocráticas terão que ser cumpridas para fazer os exames que o médico solicitou e para novamente ser atendido pelo, se possível, mesmo Deus médico. Como se, tristemente, fosse um favor e não um direito adquirido pelo pagamento de anos e mais anos de INSS. O pobre (e pobre nos dois sentidos) é, talvez, o retrato mais prefeito de um país que tem, demagogicamente, até tentado, mas ainda não descobriu a justiça social e nem percebeu que pobre é gente e que merece ser tratado como tal. E não como um subproduto humano - subproduto que se amontoa nos hospitais e nas calçadas de um país que, feliz país, tem um povo que nem assim perde a esperança. Até porque a esperança é a última que morre. Quando o doente não morre antes nas filas dos hospitais...

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