quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Crônica - O JOGO DOS SOLITÁRIOS
Eram melhores, sem dúvida, os tempos em que a noite carioca e também a paulista tinham dezenas de boas atrações e viviam recheadas de fregueses divertidos e não tão amedrontados como os de hoje. Hoje, nesse tempo de violência e, portanto, de medo e também tempo de “apertar o cinto”, o que, aliás, o brasileiro classe média já se acostumou a tentar fazer, a noite carioca (mais do que a paulista) continua famosa em todo o Brasil, mas é muito mais do que um celeiro de atrações uma fuga é uma espécie de fábrica de ilusões, consequência da fama que adquiriu ao revelar dezenas de artistas que saíam (já não saem tanto) das mais distantes cidades brasileiras em busca de melhores oportunidades na chamada cidade grande. A noite dos solitários se concentra principalmente no eixo Avenida Prado Júnior que reúne um punhado de, digamos, boates eróticas. Nesse tempo de fundamentais cuidados sexuais não é exatamente em busca do corpo das mulheres de programa que o homem está em busca. Nessas boates mulheres (se é que se pode chamar assim) existem aos montes. Estão ali não só em busca de dinheiro (é, afinal, preciso sobreviver), mas também a procura da realização do sonho de deixar a apertada vaga em que são obrigadas a dormir, geralmente em colchonetes imundos ou o distante subúrbio onde quase sempre deixam filhos para sustentar. Mesmo cheias de problemas as chamadas mulheres de vida fácil cumprem todas as noites a difícil missão de, mesmo com fome, sorrir e alegrar fregueses - fregueses solitários que buscam quase sempre alguém para conversar. A solidão é o sentimento mais dolorido que o ser humano, mesmo que esteja cercado de pessoas, enfrenta. A noite das ilusões continua fabricando sonhos - sonhos nos solitários que assim se sentem, mesmo e nas “artistas” da noite em busca d, quem sabe sonham um dia mostrar-se na televisão. É o sonho maior de todas. Um sonho que alimenta de esperança as amigas Carla e Cátia (na verdade devem se chamar Maria ou coisa parecida) que saíram do interior de Minas Gerais para tentar melhores oportunidades no Rio. Só o que conseguiram até agora (e dificilmente conseguirão mais) foi fazer strip-tease numa pequena boate do eixo das ilusões. Estão ali sempre sorridentes, encarando o trabalho com um profissionalismo invejável. Ganham mal, passam confessadas dificuldades, mas não perdem a esperança. Alimentam-se de sonhos, que sonhar é sempre fundamental. Esquecem a fome, a infância pobre no interior de Minas, os casamentos frustrados, esquecem tudo viajando em fantasias das quais certamente só se despem quando a verdade fala mais alto. Na mesa ao lado o freguês solitário sorri para elas, recebe um sorriso de volta e se sente menos só, crente que está agradando. Faz parte do jogo, o jogo dos sonhos e dos solitários disfarçadamente escondidos na escuridão da noite.
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