terça-feira, 6 de janeiro de 2015

É possível fazer uma televisão de qualidade? Você decide

             
                   O passageiro embarca no taxi  e se surpreende: numa emissora de rádio que não costuma ser frequentada por taxistas o motorista ouve música clássica. O passageiro não resiste e pergunta: “O senhor entende e gosta de música clássica?” A resposta é simples e direta: “ainda não entendo nada mas de tanto ouvir vou acabar me acostumando a gostar de boa música ”.
                       Essa exemplo  real cabe perfeitamente quando se discute a qualidade da televisão brasileira e mostra que para atingir uma plena programação de qualidade é preciso em primeiro lugar acostumar o público com o que é bom. De tanto ver só qualidade na televisão o telespectador acabará se acostumando, como o motorista do taxi, a só gostar de programas de qualidade e na medida em que seu grau de exigência aumentar não haverá mais como negar-lhe qualidade e estará definitivamente derrotada a desculpa de que a televisão oferece baixarias e má qualidade “porque é isso que o publico quer”. Não é, não.
                      Um dos grandes problemas das discussões em torno da qualidade da programação televisiva é que o assunto é tratado sempre com teorias que a maioria do público e até profissionais de televisão não entende, o que muitas vezes acontece também com quem trata o assunto sem a popularidade que deveria – uma popularidade que é, em síntese, o que a televisão realmente precisa para atingir com qualidade a maioria de seu público que é formado pelas classes mais baixas e que, portanto,  são as que mais precisam receber da televisão o que ela pode e deve oferecer de melhor.
                  Para discutir a qualidade da televisão é preciso levar em conta que esse é um veículo que atinge todos os segmentos do público e que deve oferecer, sim, todo tipo de conteúdo, o que torna, como diz o crítico Gabriel Priolli, “difícil sustentar que os programas de um Ratinho, por exemplo, sejam menos representativos da cultura brasileira do que minisséries extraídas da alta literatura”.
                 Quando se fala em televisão de qualidade não é preciso falar necessariamente de programas que se limitem a transmitir concertos de música clássica e nem de atrações que pretendam ser educativas apenas dando aulas supostamente escolares. Programas de auditório, novelas, jornalísticos e mais uma infinidade de atrações cabem numa programação de qualidade. O que não se pode, como costumam fazer muitos programas de auditório, é discutir publicamente as mazelas de algumas pessoas, mesmo porque a presença da televisão deve ser interessante e orientadora para todos e não simplesmente absurda. Engana-se quem pensa – e é assim que a televisão vem agindo nos últimos anos – que televisão popular é sinônimo  de mau gosto e baixaria. Nada do que é, em qualquer expressão artística, popular precisa ser ruim e popularesco até porque, como lembra Jo Soares, de quem não se pode discutir o bom  gosto, a sensibilidade e a popularidade, “toda cultura tem por obrigação ser popular e é  preciso não confundir popular com vulgar. Para ser popular não é preciso ser, necessariamente, vulgar e a coisa vulgar não se caracteriza imediatamente como popular”.
         Uma televisão de qualidade precisa ser uma constante lição de bom gosto e de um lazer que seja mais do que uma simples diversão. Exibir apenas e somente os chamados programas educativos não é certeza de estar fazendo uma televisão de qualidade. O jornalista, cineasta e diretor de televisão Nelson Hoineff lembra que “uma televisão pode ser ruim mesmo exibindo uma sinfonia de Beethoven e ser boa mesmo falando para as massas. Qualidade em televisão depende em grande medida de adequação formal e narrativa do conteúdo ao meio, o que aliás vale também para qualquer outra forma de expressão”.
           Fazer uma televisão de qualidade é possível, sim, e para isso basta que seja implementado o que está no artigo 221 da Constituição que em seu inciso IV, diz que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão atender ao princípio do respeito aos valores éticos da pessoa e da família”. É verdade que aparentemente a televisão se mostra preocupada em exibir uma programação de qualidade e não raro as emissoras de reúnem para discutir principalmente a ética a ser adotada no contato com o público. Mas como sempre e em quase tudo, é mais uma intenção para  dar mais esperança ao público e aos críticos. O que se decide nessas reuniões nunca é cumprido e não é por acaso que os órgãos oficiais controladores das concessões de televisão, divulgam mensalmente o nome dos programas que, segundo o público, apresentam o maior número de baixarias. A relação de programas de baixo nível muda mensalmente mas as baixarias, o mau gosto e a falta de respeito ao público que precisa ser melhor atendido continuam sempre as mesmas, o que se pode constatar facilmente na maioria da  programação oferecida atualmente e que é inibidora do crescimento do cidadão sem  levar em conta que a maior parte dos brasileiros se forma através da televisão, que, com uma programação de má qualidade, é nefasta para uma melhor formação e informação do telespectador, que também costuma ser responsabilizado – o que é uma injustiça – por essa má qualidade porque como lembra o crítico Alexander Goulart “os mais radicais dirão que a massa não gosta de programas inteligentes porque são muito complicados para a mediocridade da massa”.
     Mais uma mentira se levarmos em conta que uma das responsabilidades da televisão está justamente na mudança de atitude do telespectador. Se for oferecida ao público maior número de opções de qualidade ele estará enfim e definitivamente aprendendo a escolher o que é melhor, e o que ,como cidadão, merece. É bom lembrar sempre que a televisão é e será sempre aquilo que nós fizermos dela e, portanto, está na hora de reavaliar alguns programas, algumas propostas e até mesmo o gosto do público.
      Recente estimativa revela que é de mais de 40 milhões o número de domicílios com aparelhos de televisão no Brasil e esse público mostra-se, em sua maioria, descontente com o que recebe em casa. Diante dessa constatação a pergunta é inevitável: se o público está descontente porque se continua oferecendo a ele o que não gosta? A resposta também parece ser fácil: falta criatividade aos profissionais que manipulam a televisão que, por outro lado, parece querer ,com sua inegável força, impor uma programação que não permita que tanto hoje como no futuro o público possa optar pelo que há de melhor. Mas é  verdade também que nossa televisão é uma das mais avançadas do mundo, o que lhe garante a exportação de diversos programas e até a venda de seu know-how.
       Mas se é assim porque se cobra qualidade da televisão? Simplesmente porque a qualidade de nossa programação fica restrita a algumas minisséries e a programas jornalísticos de maior profundidade. Aliás, a linguagem jornalística parece ser o melhor e o mais direto caminho para estabelecer contato de qualidade, em qualquer tipo de programa, com o telespectador, especialmente aquele – a maioria – que precisa receber, mesmo que tardiamente, uma melhor formação. Assim é preciso acabar também coma a mentira que em busca de maiores índices de audiência  a televisão é obrigada a oferecer ao mercado somente aquilo que é vendável sem levar em conta que qualidade é o que há de  mais  vendável em qualquer produto. Fazer uma televisão que não atenda as necessidades culturais do público ,por mais diverso que esse público seja, é deixar escapar sempre uma excelente oportunidade de melhorar o nível de exigência, começando pela televisão, do público brasileiro – esse heróico brasileiro que por falta de melhores opções acaba aceitando tudo de ruim que lhe é imposto. Principalmente na televisão.
        A má qualidade da televisão acaba tendo reflexos em, todos os setores e não é á toa que as revistas especializadas na cobertura da programação de televisão também não conquistem o respeito do público e da própria imprensa. Não é absolutamente culpa das revistas mas sim da televisão que de certa forma também acaba oferecendo às revistas especializadas um material inadequado, ou seja a sua programação na maioria das vezes medíocre. A aparente falta de preocupação da televisão de ir ao encontro de um novo caminho  acaba fazendo com que nossa programação se torne linear:  é tudo igual em todas as emissoras, o que reforça a tese de velho Chacrinha de que “na televisão nada se cria, tudo se copia”. Isso acontece porque em busca do atalho mais fácil para a conquista de consumo do público uma emissora acaba copiando – e copiando descaradamente – o que fez sucesso, mesmo que não seja um sucesso merecido, em outra emissora. O resultado é que a televisão brasileira vive estranhas fases que durante uma temporada fazem de terríveis pegadinhas a grande “descoberta” e em outra trocam as pegadinhas por programas que expõe as mazelas alheias ou informativos policiais que, na maioria dos casos, também apelam E apelam muito.
       Não se pode negar em nenhum momento que diante que acontece  principalmente no Rio e em São Paulo,  a violência está cada vez maior e mais presente  e é hoje um fato jornalístico para programas policiais que até fazem sentido e fariam muito mais se discutissem ( como costuma fazer o repórter-apresentador Marcelo Rezende na Record) a violência com mais profundidade e não se limitassem a mostrar tiroteios e cadáveres todo tempo e em todos os cantos dos dois estados mais focalizados porque são as maiores vítimas da violência.
      Para iniciar um novo processo de televisão com qualidade é preciso levar em conta que ainda há na programação muita coisa irrelevante e portanto absolutamente descartável. Uma televisão de qualidade não precisa abrir mão, ao contrário do que defende a maioria dos teóricos de comunicação, de programas de auditórios, humorísticos, novelas É fundamental que também e principalmente nesses casos a televisão fiscalize ( e não se trata de nenhum tipo de censura, abominável em qualquer circunstância) o que vai mostrar, o que vai dizer e, portanto, o que vai ensinar. Mirando-se em seu próprio espelho a televisão pode aprender de uma vez por todas que, como tem feito em alguns seriados pode ajudar a contribuir com a disseminação da literatura brasileira, como fica evidente na venda de livros adaptados e que popularizam suas histórias e seus personagens.
         A televisão não pode achar também que com a abertura de canais culturais por assinatura, a chamada televisão convencional está livre da responsabilidade maior de informar, ensinar e formar um público mais preparado e, em consequência, mais exigente. Mesmo que essa transformação demore um pouco é preciso que ela seja feita imediatamente. Afinal, a televisão, como lembra Laurindo Lalo Leal Filho, “é um fenômeno da segunda metade do século 20 e que surgiu num momento de crise dos paradigmas democráticos, fortemente abalados pelo nazismo e rigorosamente confrontados com as promessas de bem estar social”. A história conta que a guerra retardou por alguns anos a consolidação da TV como veículo de comunicação de massa, especialmente na Europa. Assim a BBC de Londres foi ao ar pela primeira vez em novembro de 1936 e ficou sem transmitir durante quase sete anos em virtude da guerra, saindo do ar em setembro de 1939, quando vinte mil residências já possuíam aparelhos de televisão em Londres.
         A televisão brasileira não precisa sair do ar para reciclar-se mas precisa ir adequando imediatamente sua programação às novas necessidades e exigências do público, sem a desculpa de que é oferecido ao povo é aquilo que ele quer. O povo quer mais. Sempre. Cabe ao telespectador exigir mudanças nas aproximadamente mil horas de programação oferecidas semanalmente nas emissoras comerciais.. Nesse caso também cabe ao público exercitar a prerrogativa de mudar de canal quando a emissora que escolheu para sintonizar não estiver oferecendo o que ele, telespectador, realmente quer e precisa. A televisão, que tenta impor o  que bem entende, é paradoxalmente, apesar de sua força, o veículo mais frágil do mundo na medida em que está nas mãos do telespectador manter-se com audiência ( e é preciso levar em conta que quantidade de público não significa qualidade) para poder faturar, lucrar e, principalmente produzir. Produzir do bom e do melhor.
         Quem acompanha profissionalmente a trajetória da televisão brasileira sabe que ela, a televisão, pode mudar mas sabe principalmente que essa mudança precisa ser feita a partir da educação do público. É preciso começar em casa e um manual produzido por especialistas em educação, ensina, entre 27 conselhos de como ver televisão com os filhos, que “o exemplo é uma terapia eficaz. Se os pais vêem muita televisão de má qualidade com que critério vão evitar que os seus filhos vejam os programas que são negativos para eles”.

       Talvez assim no futuro,   quando aparelhos de televisão, estiverem instalados em todos os carros, a gente possa embarcar num taxi e perceber que o taxista está sintonizando um programa de qualidade. Não por acaso, mas por sábia e democrá ( Eli Halfoun)           

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