O passageiro embarca no
taxi e se surpreende: numa emissora de rádio
que não costuma ser frequentada por taxistas o motorista ouve música clássica.
O passageiro não resiste e pergunta: “O senhor entende e gosta de música
clássica?” A resposta é simples e direta: “ainda não entendo nada mas de tanto
ouvir vou acabar me acostumando a gostar de boa música ”.
Essa exemplo real cabe perfeitamente quando se discute a
qualidade da televisão brasileira e mostra que para atingir uma plena
programação de qualidade é preciso em primeiro lugar acostumar o público com o
que é bom. De tanto ver só qualidade na televisão o telespectador acabará se
acostumando, como o motorista do taxi, a só gostar de programas de qualidade e
na medida em que seu grau de exigência aumentar não haverá mais como negar-lhe
qualidade e estará definitivamente derrotada a desculpa de que a televisão
oferece baixarias e má qualidade “porque é isso que o publico quer”. Não é,
não.
Um dos grandes problemas
das discussões em torno da qualidade da programação televisiva é que o assunto
é tratado sempre com teorias que a maioria do público e até profissionais de
televisão não entende, o que muitas vezes acontece também com quem trata o
assunto sem a popularidade que deveria – uma popularidade que é, em síntese, o
que a televisão realmente precisa para atingir com qualidade a maioria de seu
público que é formado pelas classes mais baixas e que, portanto, são as que mais precisam receber da televisão
o que ela pode e deve oferecer de melhor.
Para discutir a qualidade da
televisão é preciso levar em conta que esse é um veículo que atinge todos os
segmentos do público e que deve oferecer, sim, todo tipo de conteúdo, o que
torna, como diz o crítico Gabriel Priolli, “difícil sustentar que os programas
de um Ratinho, por exemplo, sejam menos representativos da cultura brasileira
do que minisséries extraídas da alta literatura”.
Quando se fala em televisão de
qualidade não é preciso falar necessariamente de programas que se limitem a
transmitir concertos de música clássica e nem de atrações que pretendam ser
educativas apenas dando aulas supostamente escolares. Programas de auditório,
novelas, jornalísticos e mais uma infinidade de atrações cabem numa programação
de qualidade. O que não se pode, como costumam fazer muitos programas de
auditório, é discutir publicamente as mazelas de algumas pessoas, mesmo porque
a presença da televisão deve ser interessante e orientadora para todos e não
simplesmente absurda. Engana-se quem pensa – e é assim que a televisão vem
agindo nos últimos anos – que televisão popular é sinônimo de mau gosto e baixaria. Nada do que é, em
qualquer expressão artística, popular precisa ser ruim e popularesco até
porque, como lembra Jo Soares, de quem não se pode discutir o bom gosto, a sensibilidade e a popularidade, “toda
cultura tem por obrigação ser popular e é
preciso não confundir popular com vulgar. Para ser popular não é preciso
ser, necessariamente, vulgar e a coisa vulgar não se caracteriza imediatamente
como popular”.
Uma televisão de qualidade precisa ser
uma constante lição de bom gosto e de um lazer que seja mais do que uma simples
diversão. Exibir apenas e somente os chamados programas educativos não é
certeza de estar fazendo uma televisão de qualidade. O jornalista, cineasta e
diretor de televisão Nelson Hoineff lembra que “uma televisão pode ser ruim
mesmo exibindo uma sinfonia de Beethoven e ser boa mesmo falando para as
massas. Qualidade em televisão depende em grande medida de adequação formal e narrativa
do conteúdo ao meio, o que aliás vale também para qualquer outra forma de
expressão”.
Fazer uma televisão de qualidade é
possível, sim, e para isso basta que seja implementado o que está no artigo 221
da Constituição que em seu inciso IV, diz que a produção e a programação das
emissoras de rádio e televisão deverão atender ao princípio do respeito aos
valores éticos da pessoa e da família”. É verdade que aparentemente a televisão
se mostra preocupada em exibir uma programação de qualidade e não raro as
emissoras de reúnem para discutir principalmente a ética a ser adotada no
contato com o público. Mas como sempre e em quase tudo, é mais uma intenção
para dar mais esperança ao público e aos
críticos. O que se decide nessas reuniões nunca é cumprido e não é por acaso
que os órgãos oficiais controladores das concessões de televisão, divulgam
mensalmente o nome dos programas que, segundo o público, apresentam o maior
número de baixarias. A relação de programas de baixo nível muda mensalmente mas
as baixarias, o mau gosto e a falta de respeito ao público que precisa ser
melhor atendido continuam sempre as mesmas, o que se pode constatar facilmente
na maioria da programação oferecida
atualmente e que é inibidora do crescimento do cidadão sem levar em conta que a maior parte dos
brasileiros se forma através da televisão, que, com uma programação de má
qualidade, é nefasta para uma melhor formação e informação do telespectador,
que também costuma ser responsabilizado – o que é uma injustiça – por essa má
qualidade porque como lembra o crítico Alexander Goulart “os mais radicais
dirão que a massa não gosta de programas inteligentes porque são muito
complicados para a mediocridade da massa”.
Mais uma mentira se levarmos em conta que uma das responsabilidades da
televisão está justamente na mudança de atitude do telespectador. Se for
oferecida ao público maior número de opções de qualidade ele estará enfim e
definitivamente aprendendo a escolher o que é melhor, e o que ,como cidadão,
merece. É bom lembrar sempre que a televisão é e será sempre aquilo que nós
fizermos dela e, portanto, está na hora de reavaliar alguns programas, algumas
propostas e até mesmo o gosto do público.
Recente estimativa revela que é de mais de 40 milhões o número de domicílios
com aparelhos de televisão no Brasil e esse público mostra-se, em sua maioria,
descontente com o que recebe em casa. Diante dessa constatação a pergunta é
inevitável: se o público está descontente porque se continua oferecendo a ele o
que não gosta? A resposta também parece ser fácil: falta criatividade aos
profissionais que manipulam a televisão que, por outro lado, parece querer ,com
sua inegável força, impor uma programação que não permita que tanto hoje como
no futuro o público possa optar pelo que há de melhor. Mas é verdade também que nossa televisão é uma das
mais avançadas do mundo, o que lhe garante a exportação de diversos programas e
até a venda de seu know-how.
Mas se é assim porque se cobra qualidade da televisão? Simplesmente porque
a qualidade de nossa programação fica restrita a algumas minisséries e a
programas jornalísticos de maior profundidade. Aliás, a linguagem jornalística
parece ser o melhor e o mais direto caminho para estabelecer contato de
qualidade, em qualquer tipo de programa, com o telespectador, especialmente
aquele – a maioria – que precisa receber, mesmo que tardiamente, uma melhor
formação. Assim é preciso acabar também coma a mentira que em busca de maiores
índices de audiência a televisão é
obrigada a oferecer ao mercado somente aquilo que é vendável sem levar em conta
que qualidade é o que há de mais vendável em qualquer produto. Fazer uma
televisão que não atenda as necessidades culturais do público ,por mais diverso
que esse público seja, é deixar escapar sempre uma excelente oportunidade de
melhorar o nível de exigência, começando pela televisão, do público brasileiro
– esse heróico brasileiro que por falta de melhores opções acaba aceitando tudo
de ruim que lhe é imposto. Principalmente na televisão.
A má qualidade da televisão acaba tendo
reflexos em, todos os setores e não é á toa que as revistas especializadas na
cobertura da programação de televisão também não conquistem o respeito do
público e da própria imprensa. Não é absolutamente culpa das revistas mas sim
da televisão que de certa forma também acaba oferecendo às revistas
especializadas um material inadequado, ou seja a sua programação na maioria das
vezes medíocre. A aparente falta de preocupação da televisão de ir ao encontro
de um novo caminho acaba fazendo com que
nossa programação se torne linear: é
tudo igual em todas as emissoras, o que reforça a tese de velho Chacrinha de
que “na televisão nada se cria, tudo se copia”. Isso acontece porque em busca
do atalho mais fácil para a conquista de consumo do público uma emissora acaba
copiando – e copiando descaradamente – o que fez sucesso, mesmo que não seja um
sucesso merecido, em outra emissora. O resultado é que a televisão brasileira
vive estranhas fases que durante uma temporada fazem de terríveis pegadinhas a
grande “descoberta” e em outra trocam as pegadinhas por programas que expõe as
mazelas alheias ou informativos policiais que, na maioria dos casos, também
apelam E apelam muito.
Não se pode negar em nenhum momento que diante que acontece principalmente no Rio e em São Paulo, a violência está cada vez maior e mais
presente e é hoje um fato jornalístico
para programas policiais que até fazem sentido e fariam muito mais se
discutissem ( como costuma fazer o repórter-apresentador Marcelo Rezende na
Record) a violência com mais profundidade e não se limitassem a mostrar
tiroteios e cadáveres todo tempo e em todos os cantos dos dois estados mais
focalizados porque são as maiores vítimas da violência.
Para iniciar um novo processo de televisão com qualidade é preciso levar
em conta que ainda há na programação muita coisa irrelevante e portanto
absolutamente descartável. Uma televisão de qualidade não precisa abrir mão, ao
contrário do que defende a maioria dos teóricos de comunicação, de programas de
auditórios, humorísticos, novelas É fundamental que também e principalmente
nesses casos a televisão fiscalize ( e não se trata de nenhum tipo de censura,
abominável em qualquer circunstância) o que vai mostrar, o que vai dizer e,
portanto, o que vai ensinar. Mirando-se em seu próprio espelho a televisão pode
aprender de uma vez por todas que, como tem feito em alguns seriados pode
ajudar a contribuir com a disseminação da literatura brasileira, como fica
evidente na venda de livros adaptados e que popularizam suas histórias e seus
personagens.
A televisão não pode achar também que
com a abertura de canais culturais por assinatura, a chamada televisão
convencional está livre da responsabilidade maior de informar, ensinar e formar
um público mais preparado e, em consequência, mais exigente. Mesmo que essa
transformação demore um pouco é preciso que ela seja feita imediatamente.
Afinal, a televisão, como lembra Laurindo Lalo Leal Filho, “é um fenômeno da
segunda metade do século 20 e que surgiu num momento de crise dos paradigmas
democráticos, fortemente abalados pelo nazismo e rigorosamente confrontados com
as promessas de bem estar social”. A história conta que a guerra retardou por
alguns anos a consolidação da TV como veículo de comunicação de massa,
especialmente na Europa. Assim a BBC de Londres foi ao ar pela primeira vez em
novembro de 1936 e ficou sem transmitir durante quase sete anos em virtude da
guerra, saindo do ar em setembro de 1939, quando vinte mil residências já
possuíam aparelhos de televisão em Londres.
A televisão brasileira não precisa
sair do ar para reciclar-se mas precisa ir adequando imediatamente sua
programação às novas necessidades e exigências do público, sem a desculpa de
que é oferecido ao povo é aquilo que ele quer. O povo quer mais. Sempre. Cabe
ao telespectador exigir mudanças nas aproximadamente mil horas de programação
oferecidas semanalmente nas emissoras comerciais.. Nesse caso também cabe ao
público exercitar a prerrogativa de mudar de canal quando a emissora que
escolheu para sintonizar não estiver oferecendo o que ele, telespectador,
realmente quer e precisa. A televisão, que tenta impor o que bem entende, é paradoxalmente, apesar de
sua força, o veículo mais frágil do mundo na medida em que está nas mãos do
telespectador manter-se com audiência ( e é preciso levar em conta que
quantidade de público não significa qualidade) para poder faturar, lucrar e,
principalmente produzir. Produzir do bom e do melhor.
Quem acompanha
profissionalmente a trajetória da televisão brasileira sabe que ela, a
televisão, pode mudar mas sabe principalmente que essa mudança precisa ser
feita a partir da educação do público. É preciso começar em casa e um manual
produzido por especialistas em educação, ensina, entre 27 conselhos de como ver
televisão com os filhos, que “o exemplo é uma terapia eficaz. Se os pais vêem
muita televisão de má qualidade com que critério vão evitar que os seus filhos
vejam os programas que são negativos para eles”.
Talvez assim
no futuro, quando aparelhos de
televisão, estiverem instalados em todos os carros, a gente possa embarcar num
taxi e perceber que o taxista está sintonizando um programa de qualidade. Não
por acaso, mas por sábia e democrá ( Eli
Halfoun)