O medo, a insegurança e a total falta de tranquilidade têm impedido o exercício de um dos mais saudáveis, agradáveis e interessantes momentos do dia a dia: caminhar pelas ruas sem lenço e sem documento, como já disse Caetano Veloso. É nas ruas que se conhece melhor e mais detalhadamente o surpreendente e muitas vezes inimaginável roteiro que o destino nos impõe diariamente.
Embora qualquer caminhada signifique ficar atento para evitar qualquer surpresa desagradável (“mãos ao alto”, por exemplo) nas ruas é possível perceber, nos gestos e no olhar de cada pessoa, os sofrimentos, os problemas e especialmente as interrogações diante do que acontecerá no próximo passo. Andar nas ruas, mesmo que sem tranquilidade, é descobrir, por mais que não se queira ou preste atenção, o mundo que nos cerca e que sempre, de alguma forma, ajudamos a construir. Ultimamente muito mais a destruir.
Caminho e em poucos minutos dou de cara com vários idosos que se arrastam amparados por um filho, um neto, uma nora e na maioria das vezes um vizinho ou um amigo, que costuma ser com quem mais se pode contar quando é preciso. Os idosos que cruzam meu caminhar estão visivelmente sofrendo com o fim da vida. Por que e será que o caminho para a morte tem que ser tão cruel, desagradável e sofrido? Seria para provar que a morte é realmente o único e definitivo caminha para a paz?
Os velhinhos que se arrastam (são arrastados pela vida) para dar um ou dois passos deveriam chegar ao fim da linha sem dor, sem sofrimento, sem angústia. Sem perceber que estão morrendo. O medo de morrer só acaba mesmo com a morte. A morte deveria ser um momento sem sofrimento. Agradável até.
Embora seja o descanso final a morte é cruel, não exatamente porque nos elimina do roteiro da vida, mas sim porque o faz com sofrimento, com incapacidade física e mental. Sem qualquer descanso e sem nenhum prazer. Muitas vezes quem ampara os idosos até o fim torce para que a morte chegue logo para que o velho pare de sofrer e quem o cerca também. Lembro de um amigo que torceu dias para que o pai internado e sofrendo de dores horríveis há meses num hospital, torcia para que a morte do velho pai chegasse logo. Parecia cruelmente estranho. Só agora entendo perfeitamente que não era uma torcida ruim. Pelo contrário: o que se queria era livrar o velho de tanto desconforto, de tamanho sofrimento. E se a morte era (com o é) inevitável que viesse logo. Sem dor e sem essa terrível despedida que costuma ser.
Morrer é uma das poucas certezas (talvez a única) que se tem na vida. Morrer não deveria ser um castigo. Ninguém teria de ficar se arrastando até cruzar a linha de chegada. O fim do caminho teria de ser um prêmio para quem conseguiu viver ou sobreviver tantos anos. Deveria ser a triunfal vitória ao final de uma corrida. A morte precisaria chegar com alegria, sem dor, sem que seja necessário arrastar-se e sem principalmente que ao menos fosse percebida. Como uma feliz festa de despedida e recomeço Se não for assim ter vivido tanto tempo não faz o menor sentido. (Eli Halfoun)
quinta-feira, 15 de março de 2012
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