A vida costuma nos apresentar cenas que imaginamos impossíveis e que confirmam que a realidade é sempre mais forte do que a ficção. Tem cenas que se vê no cinema, nas novelas e acreditamos que só poderiam acontecer ali na ficção, na imaginação dos autores. Mas nenhum autor é capaz de ir tão longe quanto a realidade e um acontecimento me deixou perplexo diante do que eu vi e que me parecia inacreditável, tanto para a realidade quanto para a ficção.
Da janela do meu então pequeno apartamento em Copacabana, mais precisamente na Avenida Prado Júnior, de repente avisto um corpo voando pelo espaço como se fosse um passarinho perdido no caminho do céu. Olho para baixo e lá está o corpo estendido no chão. Um corpo voar por uma janela não é comum, mas não chega a ser nenhuma grande novidade: acontece com muitos suicidas que não aguentam os duros trancos da vida.
Tudo não passaria de mais um suicídio se não fosse o incrível de na queda o corpo que caía ter atingido em cheio uma pessoa que vinha passando pela rua e que foi derrubada como se fosse um pino de boliche. Pontaria certeira que certamente não teria sido tão precisa se a intenção fosse a de acertar alguém. Dois corpos estendidos no chão e, como sempre, muitos corpos vivos e curiosos cercando as inertes vítimas.
Minha inevitável curiosidade humana reforçada pela curiosidade do repórter que sempre fui e que tudo quer ver e saber me fez ir até o local para recolher detalhes da cena que parecia ficção, mas era a mais inteira, verdadeira e cruel realidade. Muitas versões já se espalhavam pelos grupinhos e especulava-se (povo é cheio de imaginação) sobre tudo: tinha sido um pacto de morte de um casal gay; os dois teriam escorregado quando limpavam a janela; um amante mais possessivo teria atirado o parceiro pela janela e depois se matado. Seriam hipóteses até viáveis, mas nenhuma delas era verdadeira e outras mais se juntavam, de minuto a minuto, as intermináveis especulações do cada vez maior número de curiosos.
A realidade era muito mais inusitada do que qualquer especulação: o suicida que se atirou da janela atingiu em cheio um vendedor ambulante que passava por ali naquele exato momento saindo da praia, onde vendia refrigerantes, em busca de troco. Era um jovem nordestino que aproveitava as manhãs de domingo para aumentar a renda, depois de passar a noite inteira trabalhando como vigia edifício vizinho. O suicida, que não imaginava atingir ninguém no seu rasante vôo para a morte, era paulista e recém separado não aguentou a dor de ter que afastar-se dia mulher e dos filhos e partiu, viajando pela janela do quarto que tinha alugado dois dias antes. A solidão deve ter ficado insuportável e ele partiu para um novo e menos dolorido destino.
O inusitado episódio virou como não poderia deixar de acontecer, o comentário e a especulação do resto do dia e da noite, serviu para mostrar quanto um acontecimento pode ganhar muitas versões na boca do povo e o quanto essas versões se espalham e podem até acabar virando várias “verdades”, mesmo que sejam a mais absurda das mentiras.
Ficou claro, uma vez mais, que a ficção perde longe para a realidade, que é sempre muito mais intensa e inverossímil. A ficção tem, sim, a função de nos fazer sonhar, de nos levar por caminhos que não acreditamos possa existir.
* Até descobrirmos a realidade
terça-feira, 6 de abril de 2010
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