quinta-feira, 25 de março de 2010

CRÔNICA -- Tudo sempre igual

Uma das principais características do homem é ser um “reclamão” e mesmo quando não tem do que reclamar, o que é raro, arranja alguma coisa. Uma das mais constantes reclamações é contra a rotina
Reclamamos todo o tempo que a rotina é muito chata (e é), que tudo na vida é quase sempre igual e nem percebemos que reclamar todo o tempo é, essa sim, uma chatíssima rotina. Uma rotina da qual não se costuma reclamar (e não reclamamos porque estamos em ritmo de festa) é a chegada do novo ano.
É tudo sempre igual: fazemos um monte de planos, mas geralmente nada fazemos para que planos e sonhos, se concretizem. Todo início de ano tem muita gente prometendo e até jurando, que não vai mais beber e logo no primeiro dia do ano toma um homérico porre par curar (sempre a mesma desculpa) a ressaca do porre do último dia do ano e que seria o último porre. Quase todo mundo se promete entrar num severo regime, mas na primeira oportunidade cai com gosto numa feijoada, num cozido ou numa gordurosa rabada sempre com a desculpa de que o prometido e necessário regime pode ficar para o dia seguinte.
A rotina da chegada do ano novo nos leva também, através de todo o tipo de mídia, a uma espécie de viagem ao passado com as retrospectivas de notícias e acontecimentos que não queremos em hipótese alguma que se repitam no novo ano. As retrospectivas sempre me dão a impressão de que voltamos ao passado simplesmente porque não acreditamos no futuro. Pelo menos em alguns aspectos
O que é muito chato mesmo, uma insuportável rotina, é que todo o ano começamos o ano já sabendo como ele será: a corrupção se fará presente; a guerra também; políticos continuarão prometendo para, como sempre, não cumprir; os hospitais serão cada vez mais uma porta aberta para o inferno; não haverá vaga nas escolas públicas para nossos filhos; o salário mínimo continuará miserável e assim por diante. Tudo sempre igual.
O fim de ano nos massacra também com “previsões” que não servem e não acertam absolutamente nada, mas de qualquer maneira é muito ruim começar o ano achando que, como afirmam as “previsões”, alguém famoso vai morrer, o país enfrentará mais um grave problema político (que novidade!), o Brasil não será (outros afirmam patrioticamente que será) campeão do mundo. Previsões feitas por astrólogos, videntes de todos os tipos, umbandistas e por aí vai são sempre as mesmas e nesse jogo de adivinhação geralmente não acertam absolutamente nada. Tudo sempre igual.
Nesse aspecto é até muito bom que seja tudo igual porque, pense bem, seria terrível iniciar o ano sem a perspectiva de esbarrar com nenhuma novidade: os que se acham no direito de fazer previsões, estabelecem verdades que na verdade eles mesmos não conhecem.
Acredita em previsão quem quiser, mas a melhor previsão que cada um de nós pode fazer para nossos momentos do ano inteiro é como diz o samba deixar a vida nos levar. Só assim existirá a possibilidade de futuro, de ir em frente sem medo de nada, muito menos do futuro. E o futuro só é futuro quando é novidade, quando não está programado e quando não faz – e não deve fazer – parte de nenhuma previsão. Só deixando a vida caminhar e com ela nos levar escaparemos da rotina da qual reclamamos tanto. Do contrário será tudo sempre igual. E não é isso que esperamos e queremos todos os anos. E sempre
* Em todos os sentidos e aspectos

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