Não é preciso consultar pesquisa para perceber que é cada vez maior o número de mendigos nas ruas do Rio, que os tentara esconder durante a realização do Pan. E se esconder é porque morre de vergonha da situação de miséria que faz crescer, aqui e em todo o país, o número de moradores de rua, expressão que não faz qualquer sentido: quem é obrigado a dormir em qualquer pedaço de chão imundo das ruas não é, convenhamos, morador de absolutamente nada.
Talvez o número de pedintes seja um retrato da falta de emprego ou da não capacitação profissional de grande parte da população para exercer o que se oferece, ainda que pouco, em termos de trabalho. Talvez seja também comodismo mesmo: parece ser muito mais fácil e lucrativo viver de esmolas do que submeter-se a um mínimo salário que mais parece uma esmola oficial. Muitos pedintes chegam a arrecadar em esmolas quase ou mais do que um miserável salário mínimo e nesse caso para que trabalhar, mesmo que trabalho signifique, acima de tudo, dignidade. Não apenas salário.
O aumento do número de pedintes, mendigos, moradores de rua (vários termos para definir uma única situação) é proporcional ao aumento de recusas da população em dar esmolas. Não que uma simples e desvalorizada moedinha possa massacrar o orçamento doméstico de quem quer que seja, mas é que a população anda cada vez mais desconfiada, ou seja, não acredita nem na necessidade dos pobres coitados que se amontoam nas calçadas. Argumenta-se, até com razão, que quem tem de resolver esse problema social é o governo. Deveria ser. Mas não dar esmolas é muito mais um ato de desconfiança que se justifica: tem muita gente que se aproveita da pobreza ou da deficiência física para acomodar-se na situação de pedinte.
Essa desconfiança faz sentido: lembro de uma dupla de pedintes que circulava pelo Jardim Botânico: um deles de óculos, bengala branca e chapéu enterrado na cabeça justificava sua condição de pedinte porque era cego. O outro andava, também de bengala (na verdade um pedaço de cabo de vassoura) e exibia uma das pernas enfaixada, vermelha de mercúrio e mancava acintosamente para justificar o não trabalhar. Dava pena e era impossível negar uma moeda. Isso até o dia em que, manhã de sábado (dia de folga), dou de cara com a dupla sem o uniforme de pedinte tomando cerveja em um boteco, na mesma esquina em que esmolavam de segunda a sexta-feira. Sorriam saudavelmente.
Os dois falavam tão alto que parecia lhes sobrar energia. Nesse dia descobri que a dupla não tinha qualquer problema, a não ser o moral, que justificasse a condição de infelizes pedintes exercida durante a semana. Nem eram tão bons atores. Eu é que me deixava enganar.
Nunca mais dei esmolas e aprendi que a mendicância só acabará quando o governo (qualquer governo) fizer a sua parte e nós fizermos a nossa. E como nossa cabe também reconhecer que qualquer tipo de incapacidade física (visual, auditiva, motora) ou social não impede ninguém de exercer uma atividade funcional. Oferecer condições de trabalho e, portanto, de vida digna é o que melhor podemos e devemos fazer.
* Sem que isso seja só mais uma esmola
terça-feira, 30 de março de 2010
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