terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Crônica - HORA DE LATIR

A solidariedade deveria ser a mais forte e constante das características de cada um de nós. Mas não é. Tem sido cada vez mais raro encontrar alguém que esteja realmente preocupado em ajudar o próximo mesmo que seja só com palavras de incentivo. A necessidade de cada um cuidar mais da própria (e difícil) sobrevivência, imposta por um absurdo ritmo de vida que nem nos deixa mais olhar nem para quem está bem ao lado nos faz esquecer ações fundamentais para que todos sejamos iguais pelo menos em alguma coisa. Na maioria das vezes é mais provável perceber solidariedade entre os animais. Não os racionais. Os racionais não estão mais fazendo e em pensando nisso.
A cena, numa rua de pouco movimento (dessas que os assaltantes adoram), parecia improvável: um cachorro vira-lata andava com uma das pernas quebradas. Dava para perceber a dor que sentia. Nem mover-se podia mais. Parou no meio da calçada, olhou para os lados em busca de uma confortável sombra, encaminhou-se até o cantinho sem sol e deitou no chão, quase encostado numa parede protetora. Cachorro não fala e não pode pedir ajuda. Parecia saber que se latisse assustaria quem por ali passasse. Mesmo que não assustasse nada adiantaria: as pessoas passariam por ele apressadamente como se não quisessem perceber o mundo.
Mas não faltou solidariedade: outro cachorro que acompanhava o cão ferido deitou ao lado do companheiro e ficou vigiando para que nada de pior pudesse acontecer. Não podia fazer muito. Não podia fazer nada. Mas parecia entender que sua simples companhia certamente estava ajudando. Olhava carinhosamente para o companheiro ferido. A cena, é claro, me chamou atenção. Tentei, apesar do medo, fazer alguma coisa mas me senti impotente para prestar qualquer ajuda. Fiquei ali esperando e torcendo para que alguém enfim, prestasse socorro. Nada. As pessoas continuavam apressadas, desatentas, perdidas em si mesmas. Também sentado no chão sujo o mendigo continuou comendo com as mãos imundas a “lavagem” que guardava na quentinha (friinha) de alumínio amassado. Cão e mendigo certamente sentiam a mesma dor e precisavam de atenção, de carinho. De solidariedade
Será que é essa pressa que nos faz esquecer a solidariedade, não prestar a mínima atenção na dor dos outros? Nada fazer para ajudar? O cão continuaria ali deitado onde certamente ficaria até não aguentar mais. O cão amigo continuava a seu lado, tentando de alguma forma ajudar e consolar o companheiro doente e ferido. Sofrido.
Naquele momento eu também quis ser um cão para deitar ao lado do cão ferido e entregar minha atenção, meu conforto. Foi inevitável pensar com profunda tristeza que eu jamais tinha visto entre os humanos, cena igual e de tamanha solidariedade.
Essa solidariedade que não precisa ser de forma material: não são incômodas moedinhas das quais geralmente queremos nos se desfazer que ajudam ninguém. Não será uma irreal nota de um real que prestará ajuda. Solidariedade.
Talvez ainda seja tempo de aprender com aqueles dois cães o exercício do carinho, do apoio, da amizade. Da solidariedade.
Olhamos cada vez mais para o próprio umbigo e não temos mais a capacidade de enxergar o umbigo ferido dos outros. Talvez seja a hora de latir – e latir muito – para que chamemos atenção uns dos outros e aprendamos enfim a ser solidários. Afinal a vida não é feita do cada um por si.
* O mundo é de todos

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