quinta-feira, 12 de abril de 2012

CRÔNICA --- Doentes imaginários

Motivos não faltam para reclamar do atendimento (seria atendimento se os pacientes fossem pelo menos atendidos) público de saúde. O doente não é o único que sofre nos hospitais. O sacrifício se estende aos acompanhantes: além do natural nervosismo com o estado do paciente a triste sina do acompanhante lhe reserva horas (às vezes meses) de um verdadeiro horror, que vai desde o apenas conseguir falar com um médico até a dor maior de ver um parente morrer por falta de médico. Falta de respeito humano.
Não é só: o acompanhante também precisa encontrar uma maneira de encher o tempo para vencer o nervosismo, o cansaço e a raiva. Se consegue ficar em um quarto ou enfermaria-chiqueiro ao lado do doente precisa torcer para que o paciente não tenha toda hora vontade de fazer xixi ou algo mais, o que obriga o acompanhante a exercitar um tira-bota de ”patinho” ou “comadre” sem fim. Quando a noite chega e com ela a esperança de tranquilidade o acompanhante precisa virar herói outra vez: como não pode dormir é obrigado a ler o mesmo jornal pela centésima vez ou procurar uma janela que lhe possibilite respirar um ar mais decente e menos doente. Na madrugada o relógio parece andar mais devagar e só resta a esperança de ver o dia amanhecer com ele receber o café da manhã - isso quando recebe. Acompanhante não tem o direito de comer e a única coisa que lhe resta é empurrar a comida goela abaixo do paciente que precisa alimentar-se, mesmo que a comida seja (e é) terrível. Pronto: o paciente está “alimentado” e dormirá outra vez, mas o acompanhe precisa continuar acordado e vigilante. Para espantar o sono e o cansaço a solução pode ser conversar com as enfermeiras, mas como fazer isso se nem enfermeiras os hospitais tem. Fumar pode ser um passatempo, mas é proibido fumar. A solução é correr até o banheiro, trancar-se em um dos imundos cubículos e dar uma tragada apressada antes do próximo gemido do doente.
É noite outra vez, mas não dá nem para pensar em esticar o corpo em uma cama (cama é peça rara em hospital público). Só resta encostar em uma cadeira (quando existe uma) e tentar pelo menos cochilar enrolado no já surrado casaco. Paciente que se preza não perdoa e é na madrugada que geme mais e faz mãos xixi. Dois dias são suficientes para o acompanhante estar mais magro, exibir profundas olheiras e mesmo que negue estar morrendo de raiva de tudo e de todos. Inclusive do paciente que a essa altura já se mostra mais saudável do que o acompanhante. Resultado: o paciente tem alta e é o acompanhante que fica doente. É a vez da próxima vítima, um novo – coitado – acompanhante. (Eli Halfoun)

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