quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CRÔNICA ------ Sem lenço, sem documento

O lenço molhou de tanto limpar o suor de quem tem a infelicidade de correr atrás de um documento original ou segunda via. Nessa atormentada corrida o sacrificado cidadão lembra ainda mais da música de Caetano Veloso (“caminhando contra o vento/sem lenço documento/ no sol de quase dezembro, eu vou, eu vou). E como vai: a busca de quem precisa de um documento, qualquer que seja, pode começar em janeiro e terminar no sol de quase dezembro.
São muitos os meses de espera e, portanto, de um tempo perdido que poderia ser duplamente útil. Pedir segunda via de carteira de identidade é ter que esperar um tempão pelo fundamental identificação que prometem ficará pronta em trinta dias, o que já é demais, mas mesmo assim e se prolonga muito além, dos prometidos trinta dias.
Estranho é que nesse período tudo o que o cidadão necessita, seja documento oficial ou não depende do documento (geralmente a identidade) que te exigem, mas não te entregam e se não entregam não poderiam exigir. O cidadão fica sem entender o que motiva tão absurda demora que exige que ele, cidadão, gaste o que não tem e sem documento nem pode receber.
Caminhar contra o vento é o longo e obrigatório percurso imposto, por exemplo, a qualquer mulher que acaba de casar: para comprovar, através de documento, que ganhou oficialmente um novo estado civil e sobrenome, a recém casada tem que esperar, esperar, esperar. A primeira corrida é para a nova identidade, que sem ela não é possível fazer mais nada: a tentativa de adiantar o pedido de outros e necessários documentos esbarra na exigência de ter a identidade e como a identidade não sai a recém casada continua com marido, mas sem lenço e sem documento.
Todos os documentos ficam meses a esperar por um único documento que facilitaria a vida dos outros documentos. A recém casada corre o risco de engravidar, ter o filho e continuar sem carteira de identidade, sem titulo de eleitor, sem CPF. Sem lenço, sem documento.
O documento fica preso no órgão público que o deveria liberar em poucos dias. Ou pelo menos no prazo prometido. O lenço molhado de suor acaba servindo também para enxugar as lágrimas, inevitáveis diante de tantas súplicas para conseguir um simples documento que lhe é de direito. Tanta espera faz parar a vida do cidadão. Como se ele também fosse uma repartição pública. (Ei Halfoun)

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