quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

CRÔNICA ---- Comer, comer, morrer, morrer

É animado o papo que junta duas mesas de amigos no bar famoso pelo chope gelado e bem tirado e principalmente pela variedade de petiscos, os populares tira-gosto. A conversa é sobre diversos assuntos até que um dos fregueses pede uma porção caprichada de linguiça, carne seca com feijão, pastéis e torresmo, enfim um rodízio daquilo que supostamente de melhor o boteco oferece, como, aliás, fazem quase todos os botequins tipicamente cariocas.
Os pratos são servidos. Parecem sorrir para os animados fregueses, abrindo-lhes ainda mais se não o apetite o prazer de saborear os acompanhamentos ideais para uma cerveja gelada, mesmo em dias de frio intenso com o qual o carioca que não abre mão do chopinho de jeito nenhum não está acostumado.
Diante dos “sorridentes” petiscos, começa mais uma discussão que está se transformando em uma cruel mania nos botecos da vida: uma das integrantes da mesa, jovem, magra e bonita, pergunta em tom ameaçador: “quem vai comer essa porcaria?” Antes mesmo de qualquer resposta continua seu indigesto discurso: “isso está cheio de gordura e fatalmente afetará o coração, o colesterol, a saúde de uma maneira geral. Isso é um veneno com tempero”.
Esse tipo de alerta, muito mais uma ameaça, nos tem perseguido no dia a dia e acabando com o prazer do paladar. Comer, principalmente petiscos de botecos (aqueles que a gente não costuma fazer em casa) sempre foi um prazer. Agora mais do que um terrível perigo está virando um risco um atalho para a morte que, com petiscos ou não, é a única e inevitável verdade da vida.
Empurram esse massacre diariamente goela abaixo: abre-se o jornal e tem sempre alguém recomendando que se fuja do prazer do paladar. Na televisão é a mesma coisa: programas e mais programas nos ameaçam todos os dias com a possibilidade da morte imediata, uma péssima saúde se fizermos aquilo que sempre nos foi ensinado e considerado normal: simplesmente comer.
Parece que está chegando à hora em que ficaremos arrepiados de medo só ao passar diante de um desses fast-foods que chegam de mansinho e rapidamente instalam-se em todas as esquinas oferecendo hamburgeres gordurosos e batatas fritas mais engorduradas ainda, além de cachorros quentes “raivosos”. Para nos matar aos poucos.
Procurar um desses fast-foods, geralmente importados do gordo Estados Unidos, deixou de ser um prazer e uma diversão. É tentativa de suicídio.
É preciso, sim, prevenir-se contra os exageros alimentares, mas não é preciso transformar o ato de comer em uma ameaça mortal, que está roubando o prazer de um dos mais aguçados sentidos: o paladar Sem prazer também morreremos mais cedo e menos felizes. (Eli Halfoun)

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