quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CRÔNICA - Criança sempre

Além da experiência adquirida, em todas as circunstâncias, com a vida, outra das vantagens da idade é o privilégio de poder voltar a ser criança a qualquer momento seja no sonho, na brincadeira com os filho, sobrinhos ou netos, no prazer de esquecer a responsabilidade e perder-se no tempo feito do mais puro, intenso e ingênuo amor que se pode ter quando se é ou quando se conquista a capacidade de, por algumas horas,. virar criança.
Esse gosto deliciosamente infantil me tomou de assalto de repente quando percebi o grande prazer que estava me dando procurar um time de botão para o Leonardo, meu netinho de seis anos. Lá estava eu, como nos meus tempos de menino, tentando descobrir que tipo de botão é melhor para jogar nessa época em que tudo está automatizado.
Na meninice de todos aqueles que, como eu, estão contando tempo, a gente arrancava os botões dos casacos do papai, dos vestidos da mamãe para formar um time que também tinha, invariavelmente, um ou dois “jogadores” feitos da casca de coco que a gente raspava incansavelmente na calçada até que ganhassem forma. Todo time tinha “craques” feitos em casa e dos quais, ao contrário do que acontece agora com o futebol profissional, a gente não se desfazia por nada. Por preço nenhum.
Naquela infância sem maiores preocupações ou medos o amor pelo times, mesmo que fossem só botões, era muito maior do que aquele que se tem agora, especialmente os chamados dirigentes, pelos times formados por gente de carne e osso.
Hoje não é preciso fabricar “craques” de botão em casa: nas lojas especializadas tem de tudo e foi numa delas que encontrei o Vascão em botões de madrepérola com a gloriosa Cruz de Malta e tudo. Lá estava eu na loja, feito criança, procurando a melhor baliza, a bola mais adequada, a palheta mais escorregadia. Foram horas da mais pura satisfação nessa momentânea volta aos tempos de criança. Em nenhum momento, enquanto eu brincava de escolher os craques do time, tive qualquer preocupação com as dívidas, com a necessidade de garantir diariamente e com muito trabalho o pão nosso de cada dia. Nem tive a hoje comum preocupação com a constante ameaça de assalto ou de bala perdida.
Nenhuma preocupação porque, afinal, ser criança, em qualquer idade, é poder viajar nos sonhos e fazer do prazer de brincar o mais completo dos momentos. Como as crianças fazem quando estão se divertindo. A hora da brincadeira acabou e voltei, especialmente na hora de pagar a conta, a ser adulto. Só então confirmei como é importante para todos os adultos se concederem, sem medo de nada, o prazer de voltar a ser criança pelo menos algumas horas por dia. Ser crianças é delicioso. Mesmo quando se está velho.
Talvez voltando a ser criança de vez em quando a gente descubra o quanto os adultos fazem mal a eles próprios e a todas as crianças quando lhes roubam a ingenuidade, a alegria de brincar e o prazer de ser inteiramente feliz.
* Como só as crianças conseguem ser.

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