Esse novo e cada
vez mais complicado tempo tem facilitado, em termos tecnológicos nossas vidas,
mas também tem impedido que se viva tranquilamente ou, como diz o samba, que
deixemos a vida nos levar. Muita coisa mudou ultimamente e se ficou mais fácil
bater um bolo na moderna batedeira elétrica, o bolo ficou menos gostoso na
medida em, que passou a ser feito mecanicamente e não com o amor que nossas
mães e avós abençoavam com suas santas mãos os ovos, a farinha, o açucar, o
bolo todo. Um bolo que a gente podia comer com o mesmo carinho com que era
feito e sem a preocupação com a quantidade de calorias e de gordura. Era só o prazer
de comer. Já não se come com o mesmo prazer de antigamente e se é verdade que
esses novos tempos nos obrigam a tomar mais cuidado com os alimentos é verdade
também que a vida ficou menos prazerosa porque está nos enchendo - e a cada dia
mais - de cuidados e de culpas e sufocando o delicioso prazer do paladar
Bons e saudosos tempos em
que se podia ir ao boteco da esquina comer um daqueles gordurosos tira-gostos
que davam prazer e alegria a alma e que mesmo sem nenhum requinte enchiam as
vitrines de sabor, de gordura saturada e de sonhos. Saturados hoje estamos nós
que não devemos (poder a gente ainda pode) comer tudo o que queremos porque se
o fizermos a dor da culpa será inevitável porque, como alertam os médicos,
estaremos prejudicando a saúde do futuro. Mas, afinal, o que adianta a boa
saúde do futuro se não há nenhum prazer no presente? O prazer de comer, que é
um de nossos melhores sentidos, está escapando dos nossos pratos hoje repletos
de folhas e carnes sem tempero, sem gordura, sem sabor. Sem qualquer prazer.
A impressão que se tem é a de
que o homem perdeu aquele entusiasmo que o fazia ir à mesa com apetite e sem
medo. Não se pode mais comer uma feijoada, uma rabada, uma picanha cheia de
gordurinha, uma costela assada ou cozida, um lombinho de porco sem ficar com
medo ou com culpa. As velhas paneladas, que nos faziam sonhar a semana inteira
com um farto e generoso almoço de sábado, estão aposentadas. Só para que
supostamente possamos nos aposentar com menos problemas de coração, de rins e
de tantos outros orgãos que, tenho certeza, sofrem muito mais com a falta de
alegria que já foi comer com prazer e em paz.
Aos poucos vamos perdendo em nome de uma
suposta melhor qualidade de vida, os velhos hábitos e os fantásticos prazeres
que as, digamos, grosseiras cozinhas nos proporcionavam. E ainda por cima nos
enchem mais de culpas e de cuidados com as quase obrigatórias lanchonetes (não
demora muito essa obrigatoriedade invade os botecos e os restaurantes
populares) de exibirem o cardápio informando as calorias dos alimentos, como se
realmente isso interessasse a procura somente o prazer de comer. Sem culpa e
sem medo.
Tudo bem que às vezes é preciso
evitar os exageros (em tudo na vida) e ter cuidado, mas o melhor cuidado é o de
não se privar daquilo que se gosta. Estar satisfeito e feliz ainda é o melhor
receita de vida. Aquela vovó que fazia o bolo com as mãos e com carinho
certamente era muito mais saudável entre suas velhas panelas, do que está hoje
entre balanças culinárias, medidores elétricos, tabelas de calorias e gorduras
que estão fazendo as surradas receitas da vovó ficarem esquecidas em um velho
baú junto com a nossa alegre vontade de comer. Nossas vovós cozinhavam de tudo,
comiam de tudo e estão aí vivinhas, mas obrigadas a fazer das velhas e
saborosas receitas apenas uma saudade.
* E
saudade é muito mais prejudicial para a saúde do que qualquer caloria ou
gordura.