domingo, 2 de maio de 2010

CRÔNICA ----- João sem medo

Dificilmente alguém encontrará nesses dias tensos e desconfiados um vice-presidente sozinho, ou seja, sem estar cercado de seguranças ou de, digamos, “aliados políticos”, mesmo nas ruas do estado onde nasceu, e foi criado. Nem sempre foi assim: houve pelo menos um vice-presidente que curtiu a vida, a beleza e as belezas da noite, sem muitos mistérios. João Goulart, não deixou seu nome só na história: ele esta presente também na memória da Rua Gustavo Sampaio, no Leme, mais precisamente nos fundos da boate Fred’s onde está erguido hoje o ex Hotel Meridien. Não eram poucas as noites em que João Goulart aparecia por ali para se misturar a com jornalistas, músicos e boêmios anônimos, todos reunidos com um único propósito: esperar a saída das vedetes do Fred’s. Não para uma paquera qualquer: todas tinham namorados, amantes, amigos. No bar em frente, que ficou conhecido como o “bar do careca” (hoje é uma lavanderia) - nada a ver com João Goulart, mas sim com o reluzente dono do estabelecimento.
A conversa rolava solta e animada, sempre enriquecida com um fundo musical. Foi ali que o hoje excelente e respeitado produtor musical Mariozinho Rocha formou seu primeiro grupo. Mas essa já é outra história. Mesmo na madrugada o vice-presidente aparecia quase sempre de terno branco (de linho, é claro) como a mostrar que aquele era seu uniforme de trabalho. Trabalho, aliás, não era assunto para conversar por ali. Embora fosse permitido (vivíamos numa real democracia), ninguém falava em política, assunto que todos consideravam chato e que sabiam não era o papo que o vice-presidente gostava naqueles momentos de descontração, da não obrigatoriedade de ser um formal vice-presidente, mas ser, isto sim, um cidadão das esquinas da vida. Se quisesse João Goulart poderia passar todo o tempo na boate, mas preferia ficar nos fundos entre boêmios, baratas e ratos que faziam um show extra, assustando as belas vedetes no pequeno corredor de fundos que levava ao Fred’s. De vez em quando, o vice-presidente subia para ver o show. Subia, entre ratos e baratas, pelos fundos, para ficar incógnito. Ao lado de Carlos Machado, o diretor dos shows e que também fez história, o vice-presidente era quase sempre denunciado, mesmo que involuntariamente, pelo próprio Machado. Cigarro pendurado nos dedos (uma espécie de marca registrada), as baforadas de Carlos Machado, acompanhadas quase sempre de um insistente pigarro, chamavam a atenção. Fora sua inquietação na cadeira, como se estivesse o tempo todo a dirigir o mesmo show que já tinha dirigido durante meses de ensaios.
Fim de show, João Goulart ia novamente para os fundos da boate. Era dali, agora já com presenças feminina, que saíamos caminhando e conversando, sem o medo de hoje, pela Rua Barata Ribeiro. Três ou quatro quarteirões depois, João Sem Medo despedia-se. Não sozinho... e desaparecia num daqueles enormes edifícios. Todo mundo sabia para onde ele ia, mas ninguém perguntava, ninguém comentava. Os tempos eram mais discretos e muito mais felizes.
* Pelo menos na saudade da gente.

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