sexta-feira, 19 de abril de 2013

Memórias alegres de um eterno repórter

Todo jornalista espera sempre por uma grande cobertura, um furo de reportagem, uma matéria polêmica, mas não é exatamente isso o que acontece no dia a dia das redações que fazem (pelo menos faziam em outros tempos, antes das redações virarem verdadeiras lan houses) do corre-corre atrás de notícias com que essa não seja uma profissão que caia na rotina. Pelo contrário: mesmo que não aconteça a grande cobertura repórteres acabam sendo nas ruas e nas redações personagens diários de acontecimentos inusitados e na maioria das vezes engraçados. Na minha vida de repórter, iniciada cedo, fui um desses personagens e aqui nesse espaço reúno pequenas histórias que podem não ser grandes ensinamentos de jornalismo, mas de uma forma ou de outra serão, além de curiosas, pequenos exemplos com os quais sempre se pode aprender alguma coisa. O Dia do Perdão que não me perdoou Estava na redação da Ultima Hora quando o chefe de reportagem me convocou. “Tem uma pauta especial para você. Vá fazer a cobertura do Dia do Perdão na sinagoga da Rua Tenente Possolo (é a maior sinagoga do Rio). Não era a grande cobertura que esperava e só era “especial” porque eu era o único judeu disponível na redação e embora não soubesse muito sobre o assunto (não sou um judeu muito religioso e só sabia que o Dia do Perdão é comemorado dez dias após o ano novo judaico e que é a data mais importante do calendário) lá fui eu. Com o natural entusiasmo de um repórter novato decidi que não iria me limitar a contar o que presenciaria. Queria mais e como o Dia do Perdão é o dia em que os judeus fazem jejum das 6 goras da tarde de um dia até o mesmo horário do dia seguinte achei que era legal saber se todos que estavam na sinagoga realmente praticavam o jejum. Minha primeira ação foi pesquisar nos botequins e lanchonetes (naquela época havia poucas lanchonetes) e muita gente saía da sinagoga, onde se deve passar o dia inteiro, para comer. Fiquei sabendo que nesse dia os botecos em torno da sinagoga vendiam mais sanduíches, salgadinhos e principalmente cafezinho do que em outras datas. Rodei por alguns botecos (também aproveitei para comer um sanduíche) e já tinha um bom material para uma reportagem diferente, mas queria mais. Fiquei na sinagoga um tempo ouvindo discretamente as conversas que rolavam nos grupinhos que se formavam na entrada. Ninguém falava de religião, mas sim de negócios: venda de jóias, de móveis e de imóveis. Finalmente eu tinha mais um bom material e voltei para a redação cheio de entusiasmo. Escrevi um texto que quase nada falava sobre o Dia do Perdão, mas sim sobre o que eu tinha apurado nos botecos e na calçada. Entreguei o texto crente que tinha feito uma excelente reportagem. O editor gostou, mas preocupado decidiu enviar o texto para a aprovação do também judeu Samuel Wainer, o patrão, que vetou a publicação, me chamou em sua sala e me deu a maior bronca: “Você quer ser um bom repórter, mas esse texto só criará”. problemas. Nem parece que você é judeu”. P. S. - O Yom Kippur (Dia do Perdão) é o mais santo do calendário judaico e é praticado dez após o Rosh Hashana, que comemora no primeiro dia do sétimo mês o ano novo judaico. Agora os judeus entrarão no ano 5771. Exagero que não livrou a cara nem do pai Foi meu pai quem me apresentou ao Samuel Wainer. Meu pai era “maitre” (eu o chamava de camelô de comida porque ele vendia o que queria) e conhecia o Samuel de servi-lo nos restaurantes. Anos depois eu já era editor do segundo caderno da Ultima Hora e também assinava uma coluna diária que tinha a então movimentada noite carioca como tema. Meu pai era o dono do Chez Robert, restaurante que funcionou em Copacabana e que tinha também, no segundo andar, a boa La Cage (o nome fazia referência a pista da dança que era umas gaiola dourada. Todas as noites eu ia filar a bóia no Chez Robert, onde também encontrava muita gente e, portanto, muitas notas para minha coluna. Certa noite fui lá e a coisa não estava legal: o ar condicionado tinha pifado e tanto no restaurante como na boate, o serviço não era á dos melhores. Não tive dúvidas e escrevi uma nota esculhambando a casa. Achei que estava cumprindo o meu dever de repórter, mas não foi bem assim: quando a nota foi publicada o Samuel me chamou e perguntou ao mesmo tempo em que grifava o nome do restaurante na minha coluna. “Esse não é o restaurante do seu pai?” – perguntou. Respondi apenas com um sim balançando a cabeça e o Samuel completou: “Você é louco Como pode fazer isso com seu pai?” Não me dei por vencido: “Não fiz nada, além do que o senhor me ensinou, que é publicar apenas a verdade e aí não tem nenhuma mentira”. Samuel não disse nada e fui saindo, mas enquanto me encaminhava até a porta deu para ouvi-lo dizendo baixinho: “É doido. Doido”. Um coletivo sanduíche de mortadela Era 26 de junho de 1968, um dia que ficou inesquecível para mim e para todos os brasileiros. Era o dia em que aconteceria a passeata dos 100 mil no centro do Rio. A redação da Ultima Hora estava toda mobilizada em torno do acontecimento: vários repórteres e fotógrafos escalados. Eu e o Nelson Motta, que assinávamos cada um uma coluna no segundo caderno também fomos escalados com tarefa de ficar perto dos artistas e não eram poucos os que estariam lá com o povo. Quando cheguei à Avenida Rio Branco a passeata tinha começado e tratei de ficar em uma fila de artistas e me chamou atenção a presença do ainda jovem Chico Buarque e pensei “é aqui que vou ficar”. Atento a tudo todos percebi o exato momento em que uma jovem, provavelmente fã, entregou ao Chico um sanduíche de mortadela. Era uma bisnaga (naquela época tinha isso) inteira. Estávamos todos famintos. Chico deu uma mordida no imenso sanduíche e passou para o companheiro do lado que também passou para o outro e assim foi até o final da fila e do sanduíche, do qual, é claro, também tirei o meu “tasco”. Voltei para a redação antes da passeata terminar e escrevi minha coluna apenas em torno do sanduíche coletivo, que realmente tinha me impressionado não pelo tamanho do sanduíche,mas sim pelo tamanho do gesto do Chico Buarque. O Moysés Fuks,que editava o segundo caderno na época, fez uma bela primeira página com minha coluna em um dos cantos e a do Nelsinho Motta no outro canto. Foi realmente uma página emocionante com várias fotos e legendas com letras de músicas e apenas as colunas (minha e do Nelsinho). Samuel Wainer achou a página ótima e fez questão de ir até a redação para dizer que os textos estavam perfeitos. Olhou para mim, (eu tinha 25 anos) e elogiou: “Você é muito sensível. Desse jeito deixará de ser repórter e será um escritor’. A profecia do Samuel Wainer não se confirmou, mas o meu sonho não acabou. Quem sabe um, dia chego lá. Mesmo que seja só para confirmar a profecia do Samuel . Muita confusão com os finais das novelas Durante muitos anos mantive uma coluna diária na Ultima Hora ao mesmo tempo em que editava a revista Amiga. Uma das minhas, digamos, especialidades, era publicar o final das novelas e por mais que a TV Globo, escondesse eu dava um jeito de descobrir. Os autores não gostavam e a Globo também não. Certa tarde recebi telefonema de um diretor da Globo para um encontro na emissora. Só lá fiquei sabendo do assunto. Ele me ofereceu um bom emprego: “Você só terá que ler alguns textos e dar um parecer”. Era moleza com um ótimo salário, mas a proposta continuou: “Só tem uma coisa, a gente vai te pedir para não publicar mais os finais das novelas”. Confesso que fiquei bastante tentado, mas não aceitei. Voltei para a redação (era o editor do segundo caderno) e mal entrei o contínuo avisou: “O Ary (de Carvalho, dono do jornal) pediu para você ir falar com ele assim que chegasse”. Fui e o Ary, como sempre muito educado, foi logo dizendo: “Sabe Eli, acho bom publicar os finais das novelas, mas tenho umas tias que não gostam porque dizem que tira a graça. Então vou te pedir para não publicar mais o final de qualquer novela’. Ainda argumentei: “Levou o meu”, eu disse baixinho (o Ary não entendeu nada) e completei: “Tudo bem, mas não tira a graça, não. Se fosse assim ninguém mais assistiria A Paixão de Cristo ou Romeu e Julieta, que têm finais mais do que conhecidos”. Não me dei por vencido e encontrei uma forma de continuar publicando os finais. Em vez de afirmar que era o final da novela passei a sugerir um final, o que acabou ficando muito pior para os autores já que os leitores achavam que eu tinha tanto prestigio que os autores copiam os finais que eu sugeria, mas que eles já tinham escrito. Também fui obrigado a abandonar essa estratégia, mas criei outra que anos depois também adotei na Amiga: a cada final de novela eu fazia uma espécie de jogo pedindo ao leitor que marcasse com um X a versão que acreditava ser o final da novela. Pelo menos três versões eram falsa, mas a verdadeira sempre estava lá. Hoje os próprios autores fazem questão de muitas vezes divulgar o final de suas novelas. Descobriram que isso em nada altera a audiência e a curiosidade dos telespectadores. Afinal, Romeu e Julieta estão aí até hoje fazendo sucesso. Cada vez mais. A notícia que foi um verdadeiro banho Todo jovem repórter sonha com um grande assunto, mas não é todo dia que ele acontece e sempre acaba sobrando a cobertura de um evento ou uma entrevista que não entusiasma muito. Eu não tinha ainda nem 20 anos e sonhava ser o repórter dos grandes acontecimentos, que nunca vinham. Uma tarde a chefia de reportagem me mandou cobrir um desfile modas na pérgula da piscina do Copacabana Palace. Era lançamento de uma nova coleção de roupas e fui fazer o serviço bastante contrariado e reclamando muito. Resmungava tanto que o Paulo Reis, o fotógrafo que me acompanhava e com quem trabalhei também na Amiga anos depois mandou: “Para de reclamar” e de brincadeira sugeriu “joga uma modelo na piscina na hora do desfile e cria uma notícia”. Fui pensando nisso durante todo o caminho. No Copa enquanto o desfile rolava estava com essa odeia fixa. Queria uma coisa mais dinâmica do que um simples vai-vem na passarela. De repente comecei a tirar as coisas dos meus bolsos (andava de terno com a gravata aberta, como os repórteres que via nos filmes americanos) e colocando na bolsa do material fotográfico do Paulo Reis que apenas pergunto: “Ta acontecendo alguma coisa?”. Respondo baixinho: “Se prepara que vou jogar uma modelo na piscina”. Dei um tempinho, me preparei, finge um escorregão e empurrei uma modelo pra água. Só que fui junto. Esqueci que não sabia nadar e foi um deus nos acuda para me salvar de um provável afogamento. O Paulo Reis fez uma seqüência de fotos que, é claro, pedi para não serem publicadas, mas a notícia não se limitou ao desfile. Foi a reportagem menos enxuta de toda a minha carreira como o repórter que ainda sou. (Eli Halfoun)

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