quarta-feira, 6 de junho de 2012

CONTO ----- Em nome do filho

Rotina. Marcy acordava às 7 horas (nem precisava de despertador) e uma hora depois arrumada para ir trabalhar descia (o quarto ficava no segundo andar de uma ampla casa em um modesto condomínio em Copacabana) para tomar café e sair. A mesa estava sempre posta com a garrafa térmica, pão, manteiga e sempre um queijo branco desses que tem gosto de água de poço, mas não engordam. Bernardo, o filho de 18 anos preparava a mesa da mamãe antes de sair para a Faculdade de Direito que mal iniciará. Na manhã de uma ensolarada quarta-feira de verão nada de mesa posta, nada de café. Pensou: “Bernardo deve ter perdido a hora”. Gritou seu nome três vezes e sem resposta foi até seu quarto, também no segundo andar. Bernardo não estava: a cama continuava arrumada como na véspera. Marcy estranhou (o filho nunca dormia fora de casa e se o fizesse avisava), mas mesmo preocupada preferiu um pensamento otimista: “Vai ver ele dormiu na casa da namorada e esqueceu de avisar”. Pensando assim Marcy (nome estranho na mistura do Mário, o pai, e Claudecy, a mãe) dirigiu-se até a redação da revista em que trabalhava como repórter (boa repórter, diga-s de passagem) há anos. A manhã parecia correr normalmente na redação. Quase meio dia quando alguém gritou: “Marcy telefone”. Não estranhou: repórter experiente e bem relacionada recebia muitos telefonemas de informantes e amigos. Atendeu com o tradicional alô e não disse mais uma palavra. Limitou-se a ouvir. Foi empalidecendo até desligar. Seus olhos assustados e arregalados pareciam querer explodir. Marcy apanhou a bolsa pendurada na cadeira e gritou: “Vou até o distrito em Copacabana. Aconteceu alguma coisa com meu filho”. O trajeto do centro até Copacabana foi o mais longo percurso de sua vida. Na delegacia é recebida pelo delegado calmo e educado. A experiência como repórter sabia que aquela conduta não era comum e reforçou a certeza de que algo de muito grave acontecera. Não deu outra: com muito jeito o delegado tentou fazer com que a informação fosse recebida sem desespero. Não adiantou. Antes mesmo de saber o que havia acontecido Marcy gritava: “Diz o que aconteceu com meu filho. Foi atropelado? Foi assaltado? Foi preso com drogas?” Sem alternativa o delegado informou de sopetão: “Seu filho morreu”. Só depois de acalmar-se da inevitável crise de nervos Marcy conseguiu ouvir tudo: o filho e a namorada foram encontrados em um beco de Copacabana. Nus e ensanguentados. A polícia ainda não tinha maiores informações: acreditava em assalto, mas ainda não havia iniciado as investigações. Não havia nenhum suspeito e nem parecia crime encomendado, o que complicaria ainda mais a investigação Foi Marcy quem contou que Bernardo namorava Estrela uma lourinha também de 18 anos há pouco menos de um ano e que na noite anterior saiu para ir ao cinema Metro-Copacabana com ela. Pegariam a sessão das 10 e Bernardo voltaria logo depois. Bernardo era todo certinho, assim como seus amigos. Nunca se envolvera com drogas ou bebidas alcoólicas, o que eliminava a tal de “queima de arquivo”. Bernardo era boa gente e não tinha inimigos. Após quinze dias de investigações a polícia continuava dizendo que não havia nada. Nem mesmo uma única pista que os levasse aos supostos assaltantes-assassinos. Marcy sabia que a polícia não ia a fundo nesse tipo de investigação e decidiu sair em campo para realizar sua própria investigação: a experiência como repórter a fazia uma quase detetive. Decidida a localizar os assassinos do filho, Marcy encontrou forças (a vida sofrida a tinha feito uma mulher corajosa) para agir. Saiu da delegacia direto para o “beco da morte” que estava interditado para investigações. . Não havia muito a procurar Depois de algumas perdidas horas de busca Marcy partiu para outra. Anoitecia quando uma Marcy angustiada e com os olhos vermelhos de tanto chorar chegou ao cinema Metro para conseguir mais informações. Permaneceu na porta do cinema das 7 até 10 horas da noite fazendo perguntas para todos os funcionários e também para o público. De resposta em resposta talvez conseguisse alguma pista, mesmo que fosse mínima. Nada de respostas animadoras. Voltou para casa desorientada, mas mais decidida a encontrar os assassinos de seu filho, nem q1uebfosse a última coisa que fizesse na vida. Exausta não conseguiu dormir: passou a noite planejando que rumo daria a investigação. Pediu férias na revista e passava dias e noites atrás de informações. Nada a levaria a desistir. A determinação de encontrar os assassinos de Bernardo a fazia continuar em frente a qualquer custo. Toda noite ia até o cinema Metro na esperança de enfim encontrar alguma pista. A polícia estava convencida que o assalto tinha sido “coisa de gente do morro”. Podia ser. Marcy não se intimidou e subiu as favelas de Copacabana de dia e de noite, mesmo alertada que estava correndo enorme risco. Foram dias e mais dias de buscas nas favelas onde ninguém, como sempre, sabia de nada, não tinha visto coisa nenhuma. Um mês depois de ter vasculhado detalhadamente todas as favelas de Copacabana e proximidades e de ter conversado, como dizia, “com Deus e o mundo” Marcy começava a perder a esperança o que, aliás, a polícia já tinha perdido há muito tempo. Mesmo assim Marcy dava uma passadinha todos os dias na porta do Metro, quase sempre perto das 10 horas, com a esperança de encontrar uma nova informação. A sorte, fundamental em qualquer investigação, ajudou Marcy. Foi na noite em que uma vez mais conversou com um morador de rua que nunca tinha visto por ali. Recebeu enfim uma informação que renovou a esperança: há dias o morador de rua tinha visto por ali três rapazes “até bem vestidos” abordarem um jovem casal obrigando-o a entrar em um carro preto que saiu em disparada. Era pouco, mas suficiente para Marcy iniciar nova buscas. Repetiu perguntas, trajetos, identificações e com sua experiência jornalística conseguiu juntar o emaranhado de informações até descobrir que três rapazes como os identificados pelo morador de rua, freqüentavam o Metro todas as noites até a noite em que ocorreu o crime. Moravam ali por perto e eram filhos de classe média alta. Não foi fácil, mas a Marcy acabou chegou aos três rapazes que moravam em uma rua próxima ao cinema. Passou a fazer plantão na rua e certa noite encontrou três rapazes na esquina dirigindo-se para outro cinema. Fingindo ser turista perdida em busca de diversão conversou com os rapazes. Foi suficiente para se fazer ”amiga” e marcar outros encontros, mas não sem antes pedir a ajuda da policia que havia desistido do caso. Conseguiu encaminhar o rumo da conversa para a noite do assassinato sem que os rapazes de nada desconfiassem. Afinal, ela era a turista que mal conhecia Copacabana. Na ânsia de se mostrarem valentes e espertos os rapazes (jovens gostam de se mostrar,de contar vantagem) acabara,revelando o que gavia acontecido em uma noite para eles animada.A noite do brutal crime. Nem imaginavam que estavam cara a cara com a mãe da vítima “Rendemos o casal apenas por diversão e para ver “o cara borrando de medo e tirar uma casquinha na moça bonitinha. Marcy queria saber mais, mas deixou o resto o papo para a noite seguinte, convidando os rapazes para jantar. No restaurante ela provocou o assunto até ouvir até ouvir a confissão que tanto esperava: “Matamos o casal porque a garota confissão que mataram o casal porque começou a gritar”, “E o rapaz?” – perguntou Marcy tentando disfarçar a raiva que sentia. A resposta dos rapazes foi como estivessem vangloriando-se de um ato heróico: “Depois que demos um trato na garota o rapaz deu uma de valentinho e tentou reagir mesmo estando com um revólver apontado na cabeça e uma faca encostada no peito” contou um e o outro emendou: O tiro saiu meio sem querer: o garotão caiu e a garota estava desacordada. Com a faca tratamos de acabar o serviço para confundir a polícia. Os rapazes tinham a idade do filho assassinado de Marcy o que aumentava a vontade de esganá-los ali mesmo, mas controlou-se. Depois de meses de uma busca dolorosa e intensa a investigação parecia chegar ao fim. Marcy levantou-se e fez um sinal para os policiais que de lomge a acompanharam disfarçados. Entregou os assassinos de seu filho de bandeja para a polícia. Menos de dois anos depois de terem sido condenados os assassinos estão soltos graças ao trabalho do pai-advogado de um dos rapazes. Marcy entrou novamente em ação: retomou as pistas em busca de novas provas que devolvam os assassinos de seu filho para o lugar de onde nunca deveriam ter saído: a cadeia. (Eli Halfoun)

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