Do outro lado do balcão
do pequeno e movimentado bar de uma movimentada rua de Copacabana, no Rio,
a sorridente, jovem e bonita garçonete me atende mais
sorridente e animada do que nunca. Entusiasmada vai logo mostrando o motivo de tanta animação: está,
com o jovem marido, quase conseguindo
realizar o sonho da casa própria - sonho que, aliás, é o maior de da maioria
dos brasileiros que não tem onde morar e que por isso mesmo são explorados,
como em tudo por aluguéis extorsivos. A quase concretização do sonho deixa a
garçonete alimentando mais um sonho : o de fugir da Zona Sul e no distante subúrbio reencontrar a tranquilidade
de morar razoavelmente e, mais do que isso, fugir da violência ( como se ela só
existisse na Zona Sul) para buscar a solidariedade no contato com os vizinhos,
com a família, que agora terá espaço para ser recebida. Tem lá as suas razões a
sonhadora garçonete: os apertados e amontoados apartamentos da Zona Sul
fizeram, por mais paradoxal que possa
ser, as pessoas se engaiolarem e fugirem uma das outras. Já se foi o tempo em
que a vizinhança era fundamental, como ainda é no subúrbio, e necessária. Hoje,
em edifícios que mais parecem caixotes em cima de caixotes com, às vezes, até
34 apartamentos por andar, ninguém
conhece ninguém e é mesmo impossível conhecer a multidão que circula por ali
diariamente, num entra e sai intolerável e insuportável .As pessoas andam tão
amedrontadas e por isso mesmo tão defensivas que o pensamento mais constante é
de que o vizinho do lado pode ser um inimigo. Nunca um amigo.
O contagiante sorriso da bonita
garçonete que, de certa forma, abastece de álcool a solidão dos fregueses do
pequeno bar, me mostra o quanto o sonho é fundamental na sobrevivência do ser
humano. Diante de tudo o que se tem
visto e ouvido diariamente, diante das dificuldades cada vez maiores impostas
pelo dia a dia o sonho é só o que, na maioria das vezes, nos resta: o sonho de
um futuro melhor, o sonho de, quem sabe, ganhar na loteria ( em qualquer
uma muitas que andam por aí e que fazem
da vida um verdadeiro jogo), o sonho fundamental de encontrar a felicidade
total, se é que ela existe, o sonho de amar e ser amado ( não existe, até porque
não resiste, amor sem troca). Enfim a vida só é completa se estiver recheada de
sonhos e, portanto de esperança. Todo sonho está sempre carregado de esperança
e é exatamente isso o que vejo e entendo no sorriso da garçonete que está
prestes a realizar um sonho e que vai fatalmente construir, a partir da
realização do sonho da casa própria, muitos outros sonhos. Exatamente porque
todo o sonho é no fundo uma enorme e sempre necessária esperança é que se faz
fundamental sonhar. E sonhar cada vez
mais. Sem sonhos não existe esperança e
sem esperança não existe vida. Continuemos, portanto, sonhando, cada vez mais,
com a casa própria, com o melhor patrão, os melhores amigos, o mais sincero
amor, a mais completa felicidade. Enquanto houver capacidade de sonhar haverá
sempre possibilidade de realizar esse
sonho e, portanto, de viver.
* Mesmo que viver seja, às vezes, apenas um
sonho.
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